O Ministério Público Federal (MPF) apresentou
denúncia criminal à Justiça Federal em Redenção contra João Luiz Quagliato Neto
e Antônio Jorge Vieira pelos crimes previstos nos artigos 149, 207 e 203 do
Código Penal, cometidos contra 85 trabalhadores rurais que foram resgatados na
fazenda de Quagliato, no município de Sapucaia, sul do Pará em 15 de março de
2000. Pelo número de vítimas e pela gravidade dos crimes, os acusados podem ser
condenados até à pena máxima de prisão prevista nas leis brasileiras, de 30
anos de reclusão.
A denúncia criminal é o resultado de um trabalho
iniciado pelo MPF em cumprimento à sentença da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH) que, em 2016, condenou o Brasil por permitir a impunidade
dos acusados pelos crimes na fazenda Brasil Verde. A Corte declarou “a
responsabilidade do Estado brasileiro por violar o direito a não submissão à
escravidão e ao tráfico de pessoas”.
Uma das obrigações previstas na sentença era
restabelecer o processo judicial do caso, que havia desaparecido ao ser enviado
para a vara estadual da comarca de Xinguara. Ao longo de dois anos, a partir de
2017, o MPF conseguiu localizar 72 vítimas distribuídas em 11 estados da
Federação e ouviu ainda os acusados e testemunhas dos crimes.
A reconstrução do processo judicial exigiu ainda a
reunião da documentação do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do
Trabalho e Emprego, como o relatório de fiscalização feito no momento do
flagrante de trabalho escravo e as fotografias da época.
Além de reconstruir os autos da investigação
desaparecida, o MPF também enfrentou uma batalha judicial com os advogados dos
acusados, que tentaram obter o trancamento do procedimento investigatório junto
ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) por meio de habeas corpus. Em
dezembro de 2018, o TRF1 denegou a ordem e considerou válida a investigação,
decisão essa mantida em junho de 2019, após a rejeição de recurso apresentado
pela defesa. Agora, eles responderão na Justiça Federal em Redenção pelos
crimes.
Na denúncia, assinada por sete procuradores da
República, os fatos que levaram os fiscais do trabalho até a fazenda Brasil
Verde durante o carnaval do ano 2000 são rememorados. Dois trabalhadores
conseguiram fugir da propriedade de João Luiz Quagliato Neto, onde sofriam
maus-tratos e viviam em condições de penúria, sob ameaça de morte. Depois de
uma caminhada de dias pelas matas, chegaram à Polícia Federal em Marabá, onde
denunciaram a situação.
Logo em seguida, em 15 de março, a equipe de
fiscalização foi até o local e resgatou 85 trabalhadores que haviam sido
aliciados com a promessa de trabalhar em troca de uma diária de R$ 10 a R$ 12,
mas estavam trabalhando há meses sem receber nada, com alimentação e
alojamentos precários e acumulando dívidas. Todos tiveram suas carteiras de
trabalho recolhidas na chegada pelo gerente da Brasil Verde, Antônio Jorge
Vieira e viviam sob ameaças de violência e morte se tentassem fugir.
Na denúncia, o MPF apresenta o entendimento já
firmado no direito internacional de que o crime de trabalho escravo é
imprescritível e pede à Justiça Federal que dê prioridade ao processo por causa
da idade avançada de ambos os réus. “Além disso, a prioridade se justifica pela
necessidade de o Brasil dar cumprimento célere e eficaz à sentença
internacional proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso,
sob pena de nova responsabilização internacional”, diz a ação penal.
Processo nº 0001923-54.2019.4.01.3905 - 1ª Vara da
Justiça Federal em Redenção.
ENTENDA O CASO BRASIL VERDE: A fazenda Brasil
pertence ao Grupo Irmãos Quagliato, um dos maiores criadores de gado do país.
Os trabalhadores foram libertados em março de 2000, mas os responsáveis nunca
foram punidos. O processo judicial que tratava do caso desapareceu ao ser declinado
da Justiça Federal em Marabá (PA) para a Justiça Estadual em Xinguara (PA). Em
março de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil
pelos fatos que ocorreram na fazenda em 2000 e em anos anteriores – já havia
flagrantes de trabalho degradante na Brasil Verde desde a década de 1980 – e
pelo desaparecimento de um dos processos judiciais que deveria punir os
responsáveis. Foi a primeira vez, desde que foi criada em 1979, que a Corte
condenou um país por trabalho escravo.
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